Olá! Como vão as coisas por aí?
Há cerca de uma semana, a Companhia das Letras compartilhou as boas novas: O Avesso da Pele, romance de Jeferson Tenório, voltou às bibliotecas escolares do Paraná e de Goiás depois de uma onda de ataques de conservadores. Uma vitória para a literatura, para a arte e, sobretudo, para a nossa liberdade.
As comemorações, no entanto, foram interrompidas pela notícia da perseguição a um outro livro. O alvo da vez é Não alimente a escritora (Urutau, 2021), de Telma Scherer. A obra foi trabalhada em sala de aula com alunos do primeiro ano do Ensino Médio em Chapecó (SC), e agora a professora responsável enfrenta um processo administrativo após as reclamações de alguns estudantes e seus pais.
Discutir a censura à literatura evoca imagens das fogueiras descritas no clássico Fahrenheit 451 ou por quem viveu sob regimes nazi-fascistas. Chefes de Estado autoritários que impõem sua vontade de cima pra baixo por meio da violência de lacaios sem pensamento próprio.
Hoje, porém, o cenário é outro. Os mecanismos de censura são mais sutis — prova disso é a quantidade de pessoas que relativizam o que aconteceu com a obra de Jeferson Tenório, cheias de dedos para chamar o evento pelo nome certo. No caso de Não alimente a escritora, a denúncia partiu justamente do grupo que vai ser prejudicado pela interdição. É o tempo da autocensura: quem precisa de um ditador caricato quando a população comum pode cumprir muito bem o papel de repreender aquilo que é indesejado?
Não existe uma fórmula pronta de combate a esse fenômeno. São muitas frentes de disputa espalhadas em diferentes campos. Por aqui, nos cabe fomentar uma literatura crítica, criar um espaço seguro para as discussões acontecerem sem repressão. Inclusive, lembramos que é amanhã o bate-papo #LivroSemCensura promovido pela Ria Livraria, com presença de Jeferson Tenório, Airton Souza e Henrique Rodrigues. O encontro é lá na Ria (Rua Marinho Falcão, 58) a partir de 19h30.
É um trabalho de formiguinha, mas, a exemplo do inseto, nossa força está na comunidade. Afinal, o canto é conjunto.
🗣️ BOAS NOVAS
Por falar em fomento à literatura, a Cachalote voltou a receber originais! Conheça um pouco mais do nosso
Na primeira chamada, foram recebidos 223 trabalhos de autores de todo o Brasil. A curadoria foi feita com todo o capricho para fechar uma lista de pré-selecionados, que agora fazem – ou estão em vias de fazer – parte do catálogo.
Agora, a equipe Aboio-Cachalote está maior e mais especializada. Em outras palavras, em um time composto por mais pessoas, temos menos acúmulo de funções, algo muito comum nas editoras independentes brasileiras, evitando ruídos, improvisos, desgaste mental e físico.
Assim, a 2ª chamada ocorrerá de forma paralela ao fluxo atual, favorecendo a continuidade e a expansão dos trabalhos. E os trabalhos seguem a todo vapor: editor, revisores, diagramador e capistas estão em nado firme para fazer emergir um catálogo especial. Na Cachalote os textos passam por leituras, preparação e revisões; e a equipe de arte, por costume que virou regra, lê originais antes de enviar anteprojetos de capa. Livro é coisa séria!
📚 PRÉ-VENDAS
O que está no forno pra você se deliciar! Lembrando que, ao comprar na pré-venda, você garante um desconto, além de ter seu nome nos agradecimentos de todas as edições da obra.
Historietas – até 26 de abril
O quarto volume da Coleção Norte-Sul, último desta primeira leva, é uma coletânea de 20 narrativas curtas escritas por Hjalmar Söderberg, traduzida por Guilherme da Silva Braga diretamente do idioma original. As narrativas giram em torno de situações banais do cotidiano, mas, brincando com duplos sentidos e simbolismos, o autor se mostra um mestre da ambiguidade. Apesar de curtos, até mesmo simples à primeira vista, os contos aqui reunidos fogem do óbvio, ganhando uma profundidade inesperada. Até hoje, o autor é reverenciado por quem entende de literatura escandinava.
Dama de Espadas – até 05 de maio
O romance de Mariana Figueiredo é dividido em duas narrativas: a carta de uma mulher que está sob ameaça e a investigação do perito Michel Le Goff sobre o incêndio na Catedral de Notre-Dame. Os relatos se cruzam num zigue-zague de memória, catarse e confissão. Com inspirações vindas do horror e do sobrenatural, a autora explora a sutileza de relacionamentos violentos e a brutalidade dos enigmas miúdos em justaposição. O livro também está disponível na plataforma Benfeitoria junto de algumas recompensas bem legais.
Ao meu único desejo – até 12 de maio
O título Ao meu único desejo esconde em sua palavra menos vistosa, a contração “ao”, seu sentido mais intenso. O livro é escrito para um destinatário: um sujeito masculino, jamais nomeado, que, ao longo de 56 poemas, é construído e renovado como objeto de desejo. Afeto e apego, neste livro, são dimensões de um estado cognitivo complexo atravessado pela obsessão – limerência, identifica a autora Júlia Gamarano – que busca não apenas o laço, mas a resposta do sujeito-objeto desejado.
outros lagartos – até 14 de maio
“Ao nos dispor suas palavras enquanto rastro de quem já passou, Mateus Magalhães permite que o tempo seja o verdadeiro protagonista de outros lagartos”, assim escreve André Santa Rosa no posfácio. Temporalidade, em sua fluidez tantas vezes árida, que na poética do autor alagoano compõe simetrias e desalinhos. A profusão de vozes, ritmos e intertextos, em “outros lagartos”, opera como espécie de moldura que, ao mesmo tempo que insinua pertencimento, revela poros e transformações que deixam algo escapar para o caminho da ausência. As palavras de Mateus Magalhães, muitas vezes solares, não se esvaem do humor - o recurso e o líquido - que ao mesmo tempo que acena riso ao leitor, alerta sobre a permanência da mudança da própria leitura.
A gente pede desculpa por trazer um tema tão denso em plena sexta-feira, mas virar as costas para o aumento do cerceamento à nossa arte seria muita irresponsabilidade. Vamos juntos que a gente vai melhor.
Até a próxima,
Equipe Aboio