Bom dia, boa tarde, boa noite! Tudo em ordem por aí?
Há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante, nossa newsletter tinha um quadro chamado Cincerro. Nele, reuníamos gente da equipe da Aboio & grande elenco para contar o que andavam lendo. Por motivos de força maior, esse formato ficou escanteado durante alguns meses, mas pensamos que já passou da hora de colocá-lo para jogo outra vez.
Capitaneando essa reestreia, temos Minska, autore de Ossada Perpétua, o primeiro livro lançado pela Aboio quando o portal virou também editora. Vivendo no umbral entre Rio de Janeiro e São Paulo, elu é artista trans não-binárie com excursões pela escrita, pela fotografia e pela pintura.
Na obra, Minska explora um tipo peculiar de luto, investigando como a ausência de uma pessoa que já se foi se faz presente no cotidiano de quem fica. Entre contos, poemas e trechos dum diário de escrita, temos a morte sendo ressignificada no momento da pandemia.
Ossada Perpétua está fora de estoque no momento, mas você pode ler o conto que dá título ao livro aqui no nosso site! Queremos saber: quais livros da lista você já leu e quais vão para a sua lista de leitura?
sobre a liberdade: quatro canções sobre cuidado e repressão – maggie nelson; cia. das letras
liberdade é poder escolher ao que se prender. minha analista me deu essa sabedoria em uma sessão que girou em torno dum amor que eu não conseguia acessar como gostaria, incapaz como era de entender que o meu amor não é externo e que o amor dos outros nem sempre precisa me atravessar como espada. tem coisa de dois anos, isso. à época, eu pensava que muito pouco se apresentava como escolha. falava muito de amor em minhas sessões porque sabia — ainda que fosse uma sabedoria inescrutável e rudimentar, mercuriana e sem forma — que seria a minha salvação. outras coisas que eu não acessava: meu corpo, minha identidade e uma vida que eu quisesse viver. foi Maggie Nelson, no começo de 2023, quando li Argonautas, quem me presenteou com uma possibilidade. meses depois, com a flecha de sagitário firme para disparar, comprei Sobre a Liberdade, que transita pela arte, pelo sexo, pelas drogas e pelo clima para encontrar – e questionar – quando a dosagem desmedida de cuidado se transforma em repressão. e como, sim, o amor pode ser espada para combatê-la – ainda que não precise ser. é um livro para ajudar a fazer as pazes. inclusive, na melhor das hipóteses, com a consciência de que por muito tempo estivemos no mundo sem o cuidado que esperávamos e deveríamos ter.
malagueta, perus e bacanaço – joão antônio; editora 34
joão antônio escreve várias vezes sobre as mesmas coisas: malandros paulistanos, sinuca e a Lapa. para mim, o livro funcionou mais como um exercício de maturação de estilo escancarado do que como uma coletânea de contos — o que não é, de forma alguma, um demérito. há duas histórias excelentes nele: a que dá título ao livro e Afinação da arte de chutar tampinhas. seca e simplória, esta me comoveu inesperadamente. mas a recomendação vem por uma tangente: um aspecto interessante do livro, em especial para as crias da Cidade Maravilhosa, como eu, é a comparação indireta dos malandros de São Paulo com os do Rio; indo além, o estudo se estendeu para um mergulho na figura arquetípica do Malandro na Umbanda e suas particularidades territoriais. espero não ser uma associação específica demais a ponto de invalidar quão abrangente o livro de fato é; por outro lado, fica o convite à leitura com esses olhos.
a ilha da infância & uma temporada no escuro – karl ove knausgård; cia. das letras
tenho a sensação de que indicar a hexalogía de Knausgård se tornou obsoleto. ou que a obra já se tornou obsoleta, não sei. porém, passei umas boas semanas de 2023 entre A Ilha da Infância e Uma Temporada no Escuro e não posso ignorar que todo ano leio pelo menos um livro de Knausgård. é o autor a quem recorro quando não sei o que estou a fim de ler, uma coisa meio "ligar a TV para fazer companhia" – sua cadência e introspecção são tamanhas que viram ruído; é delicioso ir à padaria com um calhamaço de Minha Luta nas mãos e saber que, até que se termine a leitura, muitas manhãs serão gastas tomando café com leite e testemunhando um cara de cinquenta e poucos anos lamentar trivialidades. acho importante ressaltar, também, que intercalei as obras com Mrs. Dalloway e uns excertos dos diários de Virginia Woolf; o fascínio de Woolf pelas trivialidades — talvez porque distantes, talvez porque âncoras — é estilisticamente contrastante ao de Knausgård, e lembro de pensar que circular a banalidade da vida talvez seja justamente a melhor forma de traduzir seu encanto. e talvez por isso eu volte tantas vezes nele, embora já não aprecie sua escrita. isso posto, recomendo não espaçar muito a leitura de A Ilha da Infância e a de Uma Temporada no Escuro. há algo neste que pede a proximidade daquele. encare como uma dobradinha.
glaxo – hernán ronsino; editora 34
leitura de um dia.
o manto da noite – carola saavedra; cia. das letras
é difícil falar de O Manto da Noite sem escorregar para o reducionismo. o que Carola Saavedra empreende, aqui, é mais do que uma tentativa de expansão criativa, é uma tentativa de expansão do ser — físico, espiritual, arquetípico, fictício, psicanalítico, mundano, transcendental… extrapolando o condicionamento de sua própria mente ao escrever capítulos em espanhol e alemão e depois traduzi-los, por exemplo, ou escrevendo com a mão esquerda, sendo destra, ou tendo a ousadia de reescrever Shakespeare, o máximo que posso dizer sem entregar muito do livro — até porque me falha o raciocínio cada vez que tento abordá-lo de uma perspectiva mais crítica — é que é uma tentativa particularmente eficiente de expressar como é um encontro com a ancestralidade. ou, no mínimo, de ampliar os limites artísticos.
Essas foram as indicações de Minska. E você, quais títulos gostaria de recomendar a outras pessoas? Abrimos aqui um espaço para a nossa comunidade trocar figurinhas sobre aquilo que nos uniu: a literatura.
Voltando a falar do nosso catálogo, temos cinco livros que acabaram de chegar da gráfica! Mogens, Caminhávamos pela beira, Jiboia, O sorriso do erro e Ilustrações em breve serão enviados para quem os adquiriu durante a pré-venda e continuam disponíveis também na nossa loja.
Clubismo à parte, eles ficaram muito bonitos e mal podemos esperar para saber o que vocês vão achar. Como sempre, cabe um agradecimento por todo o apoio às nossas ideias e projetos. Nada disso seria possível sem você aí do outro lado da tela.
Nunca esquecer: o canto é conjunto.
Equipe Aboio